quinta-feira, 26 de julho de 2012

Caravana Moto-cultural

Concentração moto-cultural
 Pelos Caminhos de Mário de Andrade
                           No último dia 22 de julho de 2012, grupos de motociclistas e de ativistas culturais refizeram parte da trajetória do escritor paulistano Mário de Andrade, em sua viagem etnográfica pelo nordeste brasileiro, na primeira metade do século XX, no trecho correspondente a sítios de memória do litoral sul do Rio Grande do Norte.
Reunião em São José de Mipibu 
                      Saindo de Natal, a caravana fez a primeira concentração em São José de Mipibu, na área metropolitana da capital, onde o psicólogo Alexandre Bosco da Silva Oliveira deu as boas vindas aos participantes e convidou o médico psiquiatra Epitácio de Andrade Filho para apresentar os convidados, os objetivos e o trajeto da atividade sócio-cultural.
De Mário de Andrade para Câmara Cascudo
                        A viagem do intelectual Mário de Andrade ao Nordeste brasileiro, na década de vinte do século passado, foi antecedida por extensa comunicação com o folclorista potiguar Luiz da Câmara Cascudo que era chamado pelo modernista, carinhosamente, de cascudinho.
Convidados da caravana moto-cultural
                         Entre os convidados da caravana moto-cultural, estavam os escritores Dudé Viana e Hermano José Falcone com sua esposa Lenilde Ramalho e filhos, estudantes universitários e as terapeutas holistas Lilian Holanda e Suzete Rovira.
Organização com todos os detalhes
                         Asas indomáveis, nômades do asfalto, raulzito moto-show, dentre outros, foram alguns dos grupos de motociclistas que compuseram a caravana cultural, cujos membros contribuíram para organizar nos mínimos detalhes a sequência de atividades.
Visita a cidade histórica de Arez/RN
                         Na visita a cidade histórica de Arez, segunda vila mais antiga do Rio Grande do Norte, depois de Estremoz, ocorreu uma concentração na praça principal no largo da igreja matriz, onde se encontra um antigo pelourinho e peças museológicas datadas da expulsão dos holandeses do nordeste brasileiro.
Motociclista se diverte num antigo canhão
                         A alegria da caravana era comandada pelo sargento da reserva da Polícia Militar Antônio Rizomar de Souza, que posou para diversão de todos num antigo canhão, componente do acervo museológico da bela cidade histórica de Arez.
Criança se diverte com o policial
                         A pequena Mirela não resistiu a graça do divertido sargento Rizomar e também posou para fotografia, nas peças do acervo museológico que se remonta ao ano de 1646.
Família do escritor Hermano José com Bosco e Sgt Rizomar
                          O escritor e filósofo Hermano José Falcone de Almeida também não resistiu a graciosidade do sargento Rizomar e, com capacete, posou para registro fotográfico com sua esposa Lenilde Ramalho e filhos ao lado do psicólogo Alexandre Bosco da Silva Oliveira, comandante dos motociclistas.
Médicos Epitácio Andrade e Erço Paiva
                           Antes de transitar pelas ruas de Arez, a caravana moto-cultural foi, cuidadosamente, apresentada e detalhada em encontro no gabinete do prefeito Erço Paiva com o médico psiquiatra e pesquisador social Epitácio Andrade.
Fachada frontal do cemitério de Arez (1822)
                           Um dos grandes momentos da caravana cultural foi a visita a fachada frontal do cemitério de Arez, que data de 1822 e foi visitada por Mário de Andrade em sua viagem etnográfica ao nordeste em 1929, sendo fotografada e mereceu referência no livro "O Turista Aprendiz".
Lançamento da pedra fundamental do CAPS/Arez
                            Na praça localizada em frente ao cemitério histórico, a caravana cultural assistiu ao lançamento da pedra fundamental do Centro de Atenção Psicossocial - CAPS/Arez.
Lançando a idéia do CAPS/Arez
                              Para consolidar a idéia do projeto de implantação do CAPS/Arez, o prefeito Erço Paiva designou seu staff para estar presente à atividade cultural, estando representado pelo enfermeiro Severino, pelo chefe de gabinete Arlindo Batista de Araújo e pela diretora do centro de saúde Jaqueline Silva.

Caminhada para Ilha do Flamengo
                         Do lançamento da pedra fundamental do CAPS/Arez, um flerte com a medicina, como diria Mário de Andrade, a caravana seguiu para uma caminhada até a vista da Ilha do Flamengo, localizada na Laguna de Guaraíras, onde começou a expulsão dos holandeses do Brasil.
Vista da Ilha do Flamengo
                          Talvez a paisagem mais deslumbrante observada por Mário de Andrade, no litoral sul do Rio Grande do Norte, tenha sido a Ilha do Flamengo, onde existia uma fortaleza do domínio holandês e de onde começaram a ser expulsos pela aliança formada pelos índios, comandados por Felipe Camarão; pelos negros liderados por Henrique Dias; e por brancos pré-nacionalistas.
Com o cacique Pai Veião
                        Da Ilha do Flamengo, a caravana cultural seguiu para a comunidade Camucim, na zona rural de Arez, para visitar Seu Orlando, o cacique Pai Veião. Aos visitantes, o morubixaba não teve dificuldades em relatar a difícil trajetória de seus ascendentes até chegar a condição atual de remanescentes indígenas e quilombolas.
Justificando laudo antropológico
                         Com o auxílio de seu filho Nilvan Barbosa, cabo da Polícia Militar, Pai Veião e o pesquisador social Epitácio Andrade apresentaram argumentos no sentido de que a caravana cultural veio a contribuir com a justificativa de se efetivar a realização de um laudo antropológico para ratificar as raízes étnicas da comunidade Camucim-Patané.
Cabo Nilvan, Dudé Viana e Pai Veião
                          Depois da visita aos remanescentes indígenas/quilombolas do Camucim, a caravana cultural seguiu para o espaço cultural de Carnaúba, distrito de Senador Georgino Avelino, terra de tiradores de coco, para uma palestra com o escritor Dudé Viana sobre Chico Antônio, maior embolador de coco do Brasil, descoberto e imortalizado por Mário de Andrade, na sua célebre viagem etnográfica pelo nordeste brasileiro.
Banner a Chico Antônio
                        A palestra de Dudé Viana sobre o grande embolador coquista foi baseada em pesquisa realizada pela escritora Gilmara Benevides, autora do livro "O Canto Sedutor de Chico Antônio".
Sgt Sérgio Monteiro assiste a apresentação de livros
                         No espaço cultural de Carnaúba, em Senador Georgino Avelino, foi apresentado o livro "A Divina Comédia na Terra do Nunca: Fragmentos sobre Infância e Adolescência", de Hermano José Almeida, e o ex-secretário municipal de educação Edval Bezerra lembrou que o livro "A Saga dos Limões - Negritude no Enfrentamento ao Cangaço de Jesuíno Brilhante", de Epitácio Andrade, foi o primeiro lançado naquele município.

Milton Guimarães, Hermano José e Epitácio Andrade
                        "Pelos Caminhos de Mário de Andrade" foi uma caravana cultural, um bate e volta motociclístico, que resgatou e semeou cultura em recantos potiguares. Foi também um espaço de encontros/reencontros, com destaque para os colegas médicos contemporâneos de quase trinta anos: Milton Guimarães de Menezes, Hermano José Falcone de Almeida e Epitácio de Andrade Filho.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Cangaço

Serra do Martins, de Raimundo Damasceno (1998)
Jesuíno Brilhante na Serra do Martins
                                      A cidade de Martins está localizada no alto da serra do mesmo nome, com 745 metros de altitude, no sertão do médio-oeste do Rio Grande do Norte, distante 377 km da capital. Constitui-se num dos principais sítios de Memória do cangaço de Jesuíno Brilhante (1844-79) e compõe o circuito turístico, denominado "serras potiguares".
Serra do Patu vista de Martins
                          Do alto da Serra do Martins se pode avistar a Serra do Patu, terra natal do cangaceiro Jesuíno Brilhante, que no ano de 1876, invadiu a cidade, num episódio que ficou conhecido como "O Fogo de Imperatriz", que também imortalizou a música "Corujinha".

"Corujinha"

Corujinha, que anda na rua,
Não anda de dia,
Só anda de noite
Às Ave Maria.

Isso é bom, corujinha 
Isso é bom...

Banana madura
Comida no cacho,
Isso é bom, corujinha,
Banana madura
Comida no cacho.

Isso é bom, corujinha
Isso é bom...

Corujinha, que vida é tua
Bebendo cachaça
Caindo na rua
Isso é bom, corujinha
Isso é bom...
Cancioneta de domínio popular, cantarolada pelo bando de Jesuíno Brilhante. 
                         Com o intuito de raptar e assassinar seu arquiinimigo, Amaro Limão, que estava preso na cadeia pública de "Imperatriz" (hoje Martins) e resgatar uma moça "depositada" na casa do cidadão Porfírio Leite, Jesuíno e seu bando invadiram a cidade e foram cercados pela polícia, conseguindo escapar após arrombar as paredes de uma casa a outra e cantarolar a música "Corujinha" para despistar a volante. Este episódio ficou registrado na literatura do cangaço e num processo judicial da comarca como "O Fogo de Imperatriz". 
Museu de Martins (1871)
                                        Instalado numa construção arquitetônica datada de 1871, o museu da cidade de Martins é testemunha de parte da história que se remonta ao período do cangaço de Jesuíno Brilhante.
Banner do centenário de Raimundo Nonato
                           O principal biógrafo do cangaceiro Jesuíno Brilhante é natural da cidade de Martins. O escritor Raimundo Nonato, autor de "Jesuíno Brilhante, o Cangaceiro Romântico", editado pela Pongetti, do Rio de Janeiro/RJ, em 1970, nascido em 1907 e falecido em 1993, teve seu centenário comemorado, festivamente, na cidade no ano de 2007. 
Entrada da Biblioteca do Hotel Serrano
                        A biblioteca do Hotel Serrano alberga considerável acervo, onde se pode encontrar obras da coleção "Mossoroense" e a maior parte das obras do professor Raimundo Nonato. "Uma Nota sobre o Quebra-quilos da Parahyba do Norte", do tribuno Almino Álvares Afonso, está entre as publicações encontradas neste espaço cultural.
Raro livro de Almino Afonso
                          "Uma Nota sobre o Quebra-quilos da Paraíba do Norte", do jurista Almino Afonso, foi publicada originalmente em 1875 e reeditada em 2002. Almino Álvares Afonso foi um dos intelectuais que atuaram na linha de frente ao enfrentamento do cangaço de Jesuíno Brilhante, e nesta obra se reporta a aliança do coronel João Dantas com o cangaceiro Jesuíno Brilhante para resgatar seu irmão Lucas num episódio que ficou conhecido como "saque a cadeia pública de Pombal/PB", em 1874.
Igreja Matriz e Praça Almino Afonso
                           A bela praça ao lado da igreja matriz da "Campos do Jordão do Rio Grande do Norte" homenageia o tribuno abolicionista Almino Afonso, que segundo o escritor Cleilson Carlos, baseado em entrevistas com descendentes, sua migração do sertão pode estar relacionada a desdobramentos do fenômeno social do cangaço de Jesuíno Brilhante.
Escritores Cleilson Carlos Epitácio Andrade
                           Em "A Saga dos Limões - Negritude no Enfrentamento ao Cangaço de Jesuíno Brilhante", informa-se que o coronel João Dantas de Oliveira tornou desafeto de Jesuíno Brilhante depois da recusa da empreita para o assassinato do jornalista Juvêncio Vulpis alba, denunciante em artigo publicado no Jornal de Pernambuco, da trama que culminou com o saque a cadeia pública de Pombal.
Serra dos 3 cabeços vista de Martins
                          Do alto da Serra do Martins se avista a Serra dos Três Cabeços, localizada no município de Almino Afonso, que também homenageia o político abolicionista e articulista de enfrentamentos ao cangaço de Jesuíno Brilhante. Na sua "Nota sobre o Quebra-quilos", Almino Afonso apresenta o coronel João Dantas como um dos protagonistas da revolta no sertão. Esclarecida a sua participação no saque a cadeia de Pombal, o coronel João Dantas migrou para Patu, onde se aliou ao clã dos "Limões" para o conflito com os "Brilhantes" e para espalhar a Insurreição dos Quebra-quilos pelo oeste potiguar a partir de Patu, chegando a Barriguda (Hoje Alexandria), Vitória (Atual Marcelino Vieira, onde também se deu o início da resistência a Lampião nas terras potiguares, em 1927), Luiz Gomes (lugar onde permaneceu a maior parte dos remanescentes da família Limão) e Apodi (Mais antiga localidade do sertão potiguar, a "Aldeia de São João do Apodi dos Tapuias Paiacus").
Índia Tapuia, escultura de Aucides Sales
                                No dia 20 de julho de 1736, Aleixo Teixeira, capitão-mor da Aldeia de São João do Apodi dos Tapuias Paiacus, recebeu a carta de data da sesmaria de terras no alto da serra conhecida como Serra do Campo Grande, posteriormente conhecida como Serra da Conceição. Esta passagem que antecedeu o cangaço de Jesuíno Brilhante em mais de 150 anos, ficou seguida da chamada "Guerra dos Bárbaros", que dizimou a nação indígena tapuia, deixando entre seus remanescentes a família Limão, que veio a ser a principal algoz do cangaceiro potiguar.
                                                                  Artista Raimundo Damasceno em sua residência
                        Reportando-se a relatos da história oral da Serra do Martins, o artista plástico e defensor do patrimônio cultural martinense Raimundo Damasceno, mais conhecido como Raimundo de Ozório, conta a história de cinco irmãos que ficaram escondidos na serra, fugindo do recrutamento forçado para a Guerra do Paraguai, e reapareceram, provavelmente, no ano de 1873, três anos após o término da guerra, para erguerem o marco religioso denominado de "Nicho", que veio a ser a primeira igreja de Martins, sendo a padroeira Nossa Senhora do Livramento.
"Nicho", igrejinha de N. S. Livramento (1873)
                      Em Imperatriz (Hoje Martins), o Professor Francisco Alves de Oliveira Maia compôs uma relação de ricos senhores da província que fizeram doações para o recrutamento, concedendo 4% de seu ordenado e gratificação, e também passou a organizar a campanha de arrecadação de donativos para as tropas recrutadas.
                                Ilustração de Jesuíno Brilhante em HQ, de A. Sales e E. Amaral
                             Entre os recrutadores da região de Imperatriz, estava um primo de Jesuíno Brilhante, o Alferes Francisco Alves Brasil, "Capitão Rola", que recebeu a incumbência de recrutar os negros Limões, assim chamados como forma de se legitimar a captura naqueles tempos escravagistas. O caboclo Chico Limão resistiu ao recrutamento forçado e alvejou com uma descarga de bacamarte o alferes, que veio a falecer e fez Jesuíno jurar vingança, dando início ao conflito cangaceiro entre os Brilhantes e os Limões.
                                          Quadro em alto-relevo da Faz. Bela Flor
                             Em 1884, quatro anos após a morte de Jesuíno Brilhante, a família Alves Brasil vendeu a Fazenda Bela Flor, na zona rural do município de Olho D'água do Borges, ao também capitão da Guarda Nacional Justino Leite da Costa, migrando para o norte do país para se inserir no ciclo da borracha.
                                                    Museu Júnior Marcelino
                          Uma prova material do legado do cangaço de Jesuíno Brilhante na Serra do Martins pode ser encontrada na coleção de punhais do Museu do auto-didata Júnior Marcelino.