sexta-feira, 15 de junho de 2012

Cantofa e Jandi


Cantofa e Jandi
 Poema de Aucides Sales musicado por Dudé Viana
 
Ao povo peço licença à musa inspiração
Modo eu contar um drama vivido no meu sertão
Da índia que apunhalaram em riba do coração
Seu nome era Cantofa e tinha uma neta Jandi
Era uma menina fêmea, bonita como Araci
A estrela da manhã, tapuias do Apodi

Nas eras mil setecentos, o ano sessenta e um
Tiraram do Apodi os tapuios Paiacu
Para a Serra dos Dormentes foram todos transferidos
No dia doze de junho o rancho foi removido
Pedido dos curraleiros que se achavam irritados
Porque os índios tapuias viviam matando gado

O juiz Castelo Branco, na serra fundou a vila
Pôs nome de Portalegre, inda hoje é conhecida
Num sítio da serra haviam os índios Pegas morado
Lhes expulsaram os Paiacus, por dois brancos chefiados

Ali nasceu um sambudo que batizaram de João
Apelido João do Pega por ser daquele torrão
Os fazendeiros cercavam João e seus companheiros
Que viviam caçando gado criado no tabuleiro
Tapuios e brancos brigavam por este mesmo motivo
Pro índios gado era caça, pro branco bicho cativo

Em 1817, houve uma revolução
Morreu André d’Albuquerque, mataram a traição
Pra não entrar nessa briga os índios se retiraram
Aí roubaram suas terras os brancos que ali ficaram
Oito anos depois, e ainda havia confusão
O coronel Vieira Barros pôs fim na situação

Prisioneiro que fora, na cadeia da Bahia
Porque era patriota e igualdade queria
Mandou libertar os índios que estavam na cadeia
Que faziam confusão por ter perdido a aldeia
Mas os índios que foram soltos, mesmo assim se revoltaram
E açulados por Cantofa, certo dia atacaram

O chefe foi João do Pega, mataram o delegado
O coronel Barros se matou, foram os índios acorrentados
Setenta jovens tapuios para Natal eram escoltados
Porém foram em Viçosa pelos brancos fuzilados
Só escapou João do Pega, por arte de bruxaria
Fugiram 330 depois desta covardia

Mas Cantofa e Jandi ficaram ali escondidas
Cantofa por ser tão velha e Jandi pouco crescida
Um caçador viu no mato Jandi a colher caju
Correu ligeiro pra vila e armou-se o sururu
O povo veio pra matar quem os índios revoltara
Causando a morte de Barros, e o delegado matara

Mas o povo desvaneceu de acabar a pajé
Somente o caçador não se comoveu da fé
Cutuca o peito um punhal, daquela pobre curuca
Jandi lhe abraçou chorando, o povo abriu as butucas
Com os olhos cor de pitanga, voltaram todos pra vila
Deixaram Jandi chorando, Cantofa ali estendida

Esta cena comovente deixou todos comovidos
João do Pega, um caçador, achou no mato escondido
O governo o perdoou depois daquele ocorrido
O povo lhe venerou e viveu bem assistido
Num lugar chamado Bica
De Cantofa e Jandi, veja um mistério que fica
Morreu Cantofa na bica, Jandi desapareceu
E ficou mal assombrado, no canto que ela morreu.
 * Romance de cordel do poeta Aucides Bezerra de Sales sobre os índios tapuias na região da chapada do Apodi e da Serra de Portalegre, no oeste potiguar, nos idos 1700, que foi adaptado musicalmente pelo cantor, compositor e escritor Dudé Viana e recebe o incentivo cultural deste sítio cibernético e deste agitador.
O poeta, o músico e o agitador cultural

3 comentários:

  1. Caro escritor e amigo Epitácio Andrade, muitíssimo obrigado pela publicação de Cantofa e Jandi.
    Todo artista que para sobreviver da sua arte precisa "matar um leão por dia", e muitas vezes até dois leões por dia, sabe como é importante esse tipo de apoio...

    Forte abraço!

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